De repente, abriram-se as cortinas do teatro do Sesc Vila Mariana em São Paulo. Nele, uma rapariga de cabelos esvoaçantes, sentada em um banquinho negro, acompanhada de três músicos. A melodia envolvente, repleta de lascívia, de Da Maior Importância começou a ser tocada, por entre sorrisos tímidos daquela mesma rapariga, enquanto era ovacionada pelo teatro lotado. Logo, seu sorriso se abriu por completo. Foi quando ouvimos sua voz arrepiantemente bela. Era ela: Gal Costa. Eu, caro leitor, sou indiscutivelmente um dos maiores admiradores da pequena-grande Maria da Graça, e cobrir este show me veio como honra.
O show que nos foi apresentado chama-se, homonimamente ao disco, Recanto. Sua produção foi feita por Caetano Veloso e por seu filho, Moreno Veloso – os quais, me abstenho de apresentar. Essa apoteose veio até mim como uma das mais belas vistas por meus olhos. Gal, então, nos apresentou suas novas canções, aquelas modernas, eletrônicas, funkeadas. Comprei o disco assim que chegou às lojas, em 2011, e me pareceu de imediato belo, algo transcendente. Para mim, Recanto é uma alça, um alongamento, até uma maturação (até onde é possível) do que foi feito no Tropicalismo no final dos anos 60. A modernização daquela velha antropofagia oswaldiana em síntese, ainda viva.
Pois voltando ao show. Logo que comprei o disco, as canções me chegaram como belas e muito bem feitas. O show legitimou esse meu pensamento. Dizem pelas ruas que, em shows, as músicas dificilmente são tão boas quanto as gravadas em estúdio. Gal provou o contrário. Neguinho, música símbolo do disco, embalou a todos quando junto a Gal, a confraria dos espectadores gritou “Neguinho é nóis!”, em belos arranjos criados por Zeca Veloso. Outra canção que fez esse pensamento se legitimar foi Segunda. A guitarra de Pedro Baby (músico que acompanha Gal no show, além de ser filho de Baby eterna Consuelo e Pepeu Gomes) foi tão ensandecida quanto genial, fazendo dessa canção irretocável e fazendo todos arrastarem seus tamancos vestidos de branco.
O show era de Gal Costa, então repleto de clássicos quem vêm desde os anos 60, no entanto, melodicamente modernizados – para o sorriso alegre dos fãs de longa data. Ela melodiou em nós, cantos eternos de discos igualmente eternos. A fatal Vapor Barato, do LP Fatal – Gal a todo vapor (1971), Deus é o amor e Baby, do Gal Costa (1969), o clássico dos bares de fossa Folhetim, do Água Viva (1978), entre outras canções e discos que são uma salvação da cultura efêmera.
O show Recanto possui as mais belas luzes de shows já vistas por este escritor. Visada a modernidade da apresentação, luzes coloridas iluminavam Gal e os músicos, criando ambientes herméticos a cada canção. Isso se mostrou mais evidente quando Gal cantou Minha Voz, Minha Vida, de Caetano Veloso. Apenas duas luzes no palco: uma para ela, outra para Pedro Baby tocando ao violão, o que criou uma espécie de auréola, que imaculava a cantora performática, agarrando em sua garganta e dizendo que carregava sua vida na voz.
E como carrega. Tom Jobim afirmou até sua morte que Gal Costa era sua cantora favorita e, quiçá, a melhor cantora que o Brasil já abrigou. Cada vez em que vejo Gal Costa cantar, tenho mais certeza da sabedoria do velho Tom.
Fotos: Divulgação
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