Conto: Robson Alkmim | Ilustração: Filipe Rocha
O teto branco começou a ficar cinza, a noite vem chegando, e alguém chora. Sim, um choro baixo, abafado. Sinto frio, não estou coberto, o berço aberto a toda ameaça. Mas o que acontece? Os bichos de pelúcia quietos num canto: o cachorro triste, a girafa sem pintas e o coelho com a mancha de café entre os olhos, ninguém brinca. Cadê mamãe? Ah, tão difícil me virar.
A cama bagunçada, lençóis no chão, o abajur caído, uma bolsa rasgada sobre a mesa e pés de alguém escondido sentado atrás da cortina. Acho que é mamãe, sim, as unhas vermelhas descascadas! O que ela faz? Ah, tenho fome, tenho sono! Sempre tenho sono, muito sono.
Aquele homem voltou? Mamãe sempre o recebe. Ele é alto como uma árvore, magro, maltrapilho e violento, sempre bate nela depois de fazerem coisas na cama, algum tipo de brincadeira, como ela gosta de dizer pra ele. Adormeço ou choro, pois queria proteger mamãe da tristeza! É duro ser um quase nada.
Sempre assim, aquele homem diz gostar do leite da mamãe enquanto chupa seus peitos. O meu leite! Mamãe ri e nunca olha pra mim quando ele invade este minúsculo apartamento, tão pequeno que vejo e percebo tudo, mesmo sem entender quase nada. Ah, ah, tenho fome e já escureceu!
Mamãe às vezes grita “Eu te amo” para esse homem quando ele vai embora. Mas não existe só ele. Todos os dias outros homens aparecem e ela faz a mesmas brincadeiras na cama; não batem nela, dão dinheiro. Ela me mostra os papéis que ganha e me diz que vai sair dessa vida, ir para um lugar maior e não viver às custas de homem algum.
Ela é tão bonita e quente.
Sinto sua falta! Ah, ah-ah, ah…
O choro do bebê reverbera no apartamento, suas lágrimas desabam sobre o colchão. A mãe continua atrás da cortina, sentada, os dedos dos pés nus, imóveis. Ela para de chorar. Minutos depois se levanta, puxa a cortina revelando seu corpo seminu e arrepiado de frio. Tem o rosto inchado e desolado. Encara o quarto desordem; ah, o vaso quebrou. Ela anda até o bebê vestido com uma camisetinha e fralda, e o observa, tão frágil como uma murcha num vaso sem graça. Passa a mão pela barriga descoberta da criança que responde diminuindo o choro, agitando-se em braços e pernas. Ela o ergue do berço e o leva ao seu corpo, abraçando-o forte. O bebê se cala.
A mãe oferece o seio direito para o bebê. Ele aproxima seus pequenos lábios, mas recua assustado, talvez se lembrando do homem. A mulher insiste, exibe o seio esquerdo. O bebê parece compreender que deve se alimentar do que lhe é dado com carinho. Durante a amamentação os dois compartilham olhares vazios e vermelhos. Mesmo assim, ao terminar, o bebê sorri e toca o rosto da mulher.
Eu sei mamãe, não fique triste, vamos logo sair daqui. Isso, sorria também.
O bebê logo adormece. A mãe o recoloca na cama e o cobre com um cobertorzinho. Veste-se com um robe branco com uma manga rasgada e aos poucos volta a chorar baixinho enquanto arruma as coisas desarrumadas pelo apartamento. Quando recolhe seus pertences derramados sobre a mesa, colocando-as de volta em sua bolsa, vê um pequeno papel escrito à caneta. O número da Delegacia da Mulher, para as mulheres denunciarem agressões sofridas… a Gil que me deu… tenho tanto medo… e se ele reagir contra o bebê? Ah, que vida!
Ela guarda o papel dobrado na bolsa. Senta-se na cama cobrindo o rosto com as mãos, parece uma estátua. A lua cheia ilumina o velho e escuro apartamento.
A campainha toca despertando a mulher de seu torpor. Automaticamente se levanta, pergunta quem é no interfone e abre a porta de entrada, deixando-a encostada. Logo entra um homem de idade, barrigudo, sisudo. Conversam rapidamente, ele reclama da baixa luminosidade no ambiente e então coloca duas notas de dez sobre a mesa.
A mulher olha para o bebê dormindo. Dorme meu filho. Ela tira seu robe, joga sobre uma cadeira e se deita na cama. Enquanto espera pelo homem que se atrapalha totalmente para tirar suas calças, demonstrando um nervosismo excessivo, a mulher olha para fora da janela.
A lua, mais alta no céu, é encoberta por uma grossa nuvem cinza.
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