Maracanã, o filme, de Andrés Varela e Sebastián Bednarik, é uma obra-prima absoluta. Durante 75 minutos, a dupla de diretores uruguaios mostra sua abordagem sobre o evento que ficou conhecido como “Maracanazo”. Foi a maior tragédia da história do futebol brasileiro. E também a maior glória do futebol uruguaio.
Tudo esta lá. O drama, as informações necessárias para se entender o contexto político e cultural da época. O momento vivido por Brasil e Uruguai. Temos então um filme profundo, que vai muito além de futebol. Mostra o raio X de duas nações. E entre as inúmeras qualidades, o que mais surpreende neste longa-metragem é a forma como os protagonistas e os antagonistas são tratados. No caso, os protagonistas são os uruguaios. O filme segue o modelo clássico de uma história de superação. Desacreditados e sem estrutura, eles mergulham em uma jornada heroica que culminou na conquista da Copa do Mundo de 1950.
Já o Brasil, melhor time disparado do torneio, vivia uma euforia completa. E vemos, como quase setenta anos atrás muitas coisas se parecem com o ano de 2014. Políticos interesseiros, por exemplo. Assim como hoje, no distante ano de 1950, políticos não estavam interessados em questões esportivas ou na melhoria de vida da população. A palavra de ordem é e continua sendo “faturar”. Ângelo Mendes de Morais, prefeito do Rio de Janeiro à época da construção do Maracanã, se achava “o dono do estádio”. Numa postura autoritária e arrogante, ele discursou antes do jogo final. Suas palavras foram: “Vós brasileiros, a quem eu considero os vencedores do campeonato mundial; vós brasileiros, que a menos de poucas horas sereis aclamados campeões por milhares de compatriotas; vós, que não possuis rivais em todo o hemisfério; vós, que superais qualquer outro competidor; vós, que eu já saúdo como vencedores!”.
Segundo Zizinho, o maior craque brasileiro na época, Ângelo Mendes de Morais era um “imbecil”. Mas acho que ele era mais do que isto. É impressionante como ao ver o filme, mesmo como brasileiro, a sensação nunca seja de rancor ou indignação. Isto é mérito dos realizadores, que tratam o acontecimento com imenso respeito. O tradicional sensacionalismo dá lugar a uma condução brilhante de uma obra imperdível. Maracanã, o filme não é apenas um dos melhores documentários ou um dos melhores filmes sobre futebol que já foram realizados. É também um dos melhores longas-metragens dos últimos vinte anos.
A epopeia uruguaia só deixa de ter um contexto coletivo e passa a ser individualizada na figura de Obdulio Varela. O capitão da celeste em 1950 dá uma aula de humanidade. Inflama um grupo desacreditado, conduzindo-o à glória. Tão interessante quanto, é entender os efeitos do resultado para ambos os países. Se o Brasil teve que se reinventar, o Uruguai ficou aprisionado a uma conquista. Como é dito pelo narrador do momento derradeiro do filme.
Você não precisa gostar de futebol. Mas ao assistir a esta película, ficará claro que através deste esporte é possível enxergar profundamente na alma de toda uma nação. Povo é povo. Seja no Brasil ou no Uruguai. Políticos são políticos em qualquer lugar do mundo. Os brasileiros, certos na vitória, sumiram na derrota. Os uruguaios, certos da derrota, foram embora antes da partida final, deixando os jogadores sozinhos para o iminente fracasso. Tanto que após a conquista os atletas da celeste não tinham sequer dinheiro para um jantar de comemoração.
É preciso saber perder. E mais difícil ainda é saber vencer. Os uruguaios souberam. Obdulio Varela, capitão e grande pilar da conquista, preferiu se isolar da comemoração coletiva. Procurou os poucos bares abertos da cidade e “bebeu abraçado aos derrotados”. Ao voltar para o hotel onde estava toda a delegação exclamou: “como pude fazer isso a gente tão boa?”.
O fantasma de 1950 já morreu. O que existe é uma imensa lição.
Acho difícil explicar o sentimento que este esporte produz no coração do povo, mas Bill Shankly chegou perto: “Dizem que futebol é uma questão de vida ou morte. Acho que é muito mais do que isto”.
P.S: Tive o prazer de assistir a este filme na sessão de abertura do CineFoot, festival de cinema de futebol. Entrei em contato com a assessoria de imprensa do festival e, infelizmente, ainda não existe previsão de lançamento do longa-metragem no Brasil.
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